29 novembro 2007

A bola redonda

Era uma vez uma bola redonda. Igual àquelas que criança faz rolar no chão, aos petelecos. Igual àquela que flutua no meio do nada, junto com várias outras, numa negra imensidão.

Explodiu, esquentou, esfriou, esquentou. Ela criou vida. Circulava por aí, rodava o Universo. Era uma bola bem verdinha. Verdinha e azul.

Ficou marrom, cinza, feia. Mas é só mais uma bola redonda, entre tantas outras. Não vai fazer diferença. "Ela que se exploda", disseram os homens – ou, ao menos, pensaram.

19 novembro 2007

A vida no automático

Josef vivia a vida no automático de vez em quando. Ficava lá do alto observando tudo. A única coisa que precisava escolher era a direção para a qual seus olhos iriam olhar.

Trabalhava sem pensar, digitava sem precisar formular as frases, resolvia contas enquanto apenas olhava para elas, vagamente. Seu corpo ia até o bebedouro e bebia água quando sentia vontade. Mas ele nem sabia quais eram suas vontades. Elas eram automáticas e automaticamente sanadas.

Mas se ele não sentia as vontades do corpo, como fazia quando sentia “vontade” de não ficar mais no automático? São passos muito simples para estar ou deixar de estar no automático: Primeiro, junte seus olhos vesgueando até o nariz. Sem tirar o olho esquerdo do lugar, gire seu olho direito três vezes no sentido horário (do seu ponto de vista, literalmente). Então, junte os dois no meio novamente. Pisque duas vezes rápido. Pisque de novo e fique 1 minuto com os olhos fechados. Quando você abrir os olhos, não estará mais no comando.

E assim, Josef passou 30 anos vivendo no automático. Quando resolveu voltar a ser seu próprio piloto, piscou os olhos e morreu. É muito mais fácil viver a vida como um mero espectador.

05 novembro 2007

O pé da cadeira

O pé da cadeira tem três irmãos. Um deles é seu gêmeo. Os outros dois também são. (Mas não dele, são gêmeos entre si.) É uma família um tanto equilibrada. Humildes, não se importam em ver tudo sempre por baixo. Tampouco que os outros se sentem em cima deles.

Aquela rotina era irritante. Senta, levanta. Senta, levanta. Puxa e empurra para fazer mais uma refeição naquele restaurantezinho do Bairro da Pitanga.

Tudo era tão quadrado até o maldito cupim desfigurar a cara do seu irmão gêmeo. O mais triste era ter de assistir à cena sem poder fazer nada. Ele e os outros dois irmãos, ali, imóveis.

Pobres móveis. Não têm reação. Assim como as folhas e as raízes da floresta onde morava Laggy, a lagarta*.

*23 de novembro de 2006.