30 janeiro 2008

A Família Prosperidade

A Família Prosperidade tem 5 integrantes: Maria, João, José, Jeremias e Martinha. Cada um tem seus anseios, suas vontades.

Maria, a mãe, estudou até a 4ª série e nunca terminou o Primeiro Grau (ou Ensino Fundamental, ou Primário e Ginásio, como queira). Sua meta para 2008 é fazer supletivo e pegar o diploma de uma vez por todas. Já era a meta de 2007, mas no ano passado não deu.

João, o pai, é pedreiro. Queria ser arquiteto, mas não tem tempo – nem dinheiro – para fazer faculdade. Trabalha o dia inteiro, sustenta cinco bocas mais a bocarra de um São Bernardo. Moram em Balneário Camboriú, uma cidade em expansão. Cresce para cima, andares e andares. João está trabalhando, no momento, em duas obras. No ano que vem, quer abrir sua própria empresa de construção. Ele já tem tudo planejado, só falta o dinheiro.

José, Jeremias e Martinha, os filhos, espírito santo, amém, estão na escola. José se vangloria injustamente por já ter passado a mãe no colégio, está na 7ª série. Estuda de manhã, trabalha de tarde no carrinho de churros na frente da rua 1400. Jeremias está na 4ª série e Martinha, na 2ª.

2007 foi um ano difícil para a Família Prosperidade. Muito trabalho, muito estudo, pouco dinheiro. A empresa de João não pagou 13º. Pior que isso, está com três pagamentos atrasados. Pobre família, usou o único dinheiro que restava no último dia de dezembro para comprar camisetas amarelas.

22 janeiro 2008

A pena

A pena nasceu na asa de uma galinha d’Angola. De penugem a pena forte e bonita. Fazia de tudo, só não sabia voar. Acordava todo dia com o cantar do galo, aquele chato. Espremia-se quando a galinhazinha botava um ovo. Espichava-se quando a galinha tentava voar, sem sucesso. Um dia, a galinha virou jantar e a pena virou cocar de fantasia de índio.

08 janeiro 2008

Dona Maria

Dona Maria acorda todos os dias às 5:13. Seu despertador em forma de coruja canta por 2 minutos. Ela se levanta, toma uma caneca cheinha de café preto, lava o rosto, troca de roupa e vai trabalhar.

Às 5:47 ela sai de casa. O ônibus chega às 5:50. Ela pega mais um ônibus depois e chega no trabalho às 6:47 (ou 13 pras 7). Entra, abre as janelas, guarda sua bolsa no armarinho dos fundos e pega a vassoura, que também fica nos fundos.

Às 7h, começa a varrer, de dentro pra fora, da esquerda pra direita – que dá sorte. E aiaiai se ela encosta a vassoura no pé. Vai correndo lavar o pé na pia do banheirinho dos fundos, onde ficam a vassoura e a bolsa da Dona Maria.

Ela já tem 37 anos. E está esperando o amor da sua vida. Ele deve ser alto, ombros largos, entre 30 e 40 anos. E precisa ter uma moto. Uma moto preta. Não, preta não, que preto dá azar. Uma moto azul! Ele pode ter uns fios de cabelo grisalhos pra dar aquele charme. Ai, ai... um dia, ele aparece. Quem sabe seja aquele homem ali batendo a campainha, às 7:37.

- Bom dia.
- Bom dia, senhora.
- Senhora, não. Senhorita!
- Senhorita... Que horas abre a loja?
- Às 8h, a atendente já está chegando. É urgente?
- Não... Mais ou menos. Vou esperar aqui fora.
- Imagina. Pode entrar que eu pego uma cadeira pro senhor.
- Senhor? Moço! Sou o Leôncio.
- Leôncio, espera só um minutinho que eu vou pegar a chave lá nos fundos.

Dona Maria, que agora se sente muito mais Maria do que Dona, vai em direção aos fundos. Respira fundo. Leôncio... Até que ele é charmoso. Acho que vi uns fiozinhos grisalhos. Que moço, que nada!

- Pode sentar ali, estou terminando de ajeitar tudo.
- Obrigada, senhora.
- ...
- Senhorita! Senhorita...?
- Maria.
- Prazer, Maria.

8 horas. Onde será que está a Madeleine? Preciso abrir a loja. E o Leôncio ali, esperando, coitado. Acho que vou puxar um papo. Vai que é ele.

- Leôncio, só um pouquinho, a moça já deve chegar.
- Tomara que ela chegue logo...
- Quer um cafézinho?
- Ahm... Aceito, sim. Obrigado, Maria.

Maria, Maria! Ele me chamou de Maria! Ele lembra meu nome. Ai, acho que ele gostou de mim. Leôncio e Maria. L e M. Acho que combina.

- Aqui está o cafezinho. Passei logo que cheguei. Trouxe açúcar e adoçante. Qual você prefere?
- Os dois. Um pouco de cada.
- Que nem eu.
- É?
- Aham. Que coincidência! Essas coisas são incríveis, né!
- É... Amor!
- Amor? Nossa, Leôncio!
- Amor? A gente terminou ontem, Leôncio.
- Mas eu te amo!
- Ama ela? Mas e eu? Eu cheguei antes!
- Me ama, nada.
- Amo. Vamos conversar...
- Mas eu tô conversando com você já. Madeleine, eu tô conversando com ele.
- Maria... leva o cafezinho lá pra trás que essa coisa de misturar adoçante com açúcar faz mal pra ele.

É. Acho que L e M combinam, sim. Mas, pra Dona Maria, não foi dessa vez.