13 março 2008

A sala

Era uma sala muito engraçada. Tinha teto, tinha tudo. Tinha até uma pista de dança que era usada quando alguém queria soltar a franga.

Nessa sala, tinha um motoqueiro cabeludo e barbudo que fazia barulhos, ruídos, estalos e gemidos. Tinha também mais dois motoqueiros, um sem barba e sem muito cabelo, que morava num aquário gigante, e outro que você vai conhecer depois. Tinha a moça que botava ordem na casa e que fazia falta quando estava de férias. Ela adorava tomar sorvete. Tinha um bioconsciente vegetariano. Na verdade, tinha dois bioconscientes vegetarianos. Um com um relógio dentro do estômago, o outro com o dicionário da propaganda dentro da cabeça. Tinha também três pessoas que falavam francês: um motoqueiro temperamental, uma danificada tagarela e um que sempre sorria. Sempre.

Era uma sala muito engraçada, muito bizarra, com cada tipo estranho, engraçado e diferente. Era tanta loucura, que um moleque maloca maluco não agüentou, e fugiu pra outra sala, onde ele podia fazer mais arte. Pela sala também passaram um menino-peixe, que foi fisgado pela boca, e uma mulher cheia de idéias, que foi plantar as suas em um terreno seu.

Era uma sala muito engraçada que vai ficar longe no horizonte, que vai ficar na página que acabou de virar, que vai ficar na memória e no coração de todo maluco que passa por lá.

04 março 2008

Greta Maluca

Depois da morte do cientista maluco, Greta ficou sozinha em casa, sozinha no mundo. A mãe teve uma briga feia com seu pai quando ela tinha 7 anos. Sumiu e nunca mais deu notícias. De qualquer maneira, elas não se davam muito bem mesmo. Serena, mãe de Greta, só pensava em beber. E sabe-se lá o que ela fazia quando saía pra trabalhar à noite e só voltava quando Greta estava indo para a escola.

A infância não foi fácil. Apesar de ser o xodó do papai, uma presença feminina sempre fez falta. Seu pai não tinha muito tempo pra lhe dar atenção. Ele voltava de seu emprego na fábrica de sabão e ia direto para o sótão. Quando pequena, Greta nunca subia lá. Seu pai raramente deixava. Mas, ela não se importava muito. Aquilo tinha cheiro de coisa estranha. Cheiros que ela nunca havia sentido antes.

Mas agora, ela estava velha. Velha e sozinha. Perdeu dois dedos em uma experiência do pai. E ficou com cicatrizes no rosto depois de uma pequena explosão no "laboratório". Ninguém a quis. Pobre Greta. De feia virou ranzinza. E aí, a menor possibilidade de encontrar alguém se extinguiu.

Adolescente, acompanhava as experiências do pai pelo buraco da fechadura. Com o tempo, conseguiu permissão dele para observar mais de perto. Aos 20, começou a participar das maluquices daquele cientista maluco que era seu pai.

Acabou trabalhando a vida toda na mesma fábrica de sabão onde ele havia sido funcionário. Em 2 anos, ela se aposentaria. Mas, com a morte do pai, a pobre Greta entrou em depressão e abandonou o emprego.

Velha, sozinha, feia e ranzinza. Não tinha nada na vida. Seus únicos amigos eram os 10 gatos de diversas raças, um pastor alemão e o ratinho Stuart. Greta precisava de mais do que isso. Precisava de mais atenção e carinho. Queria seu pai de volta.

O cérebro estava congelado no freezer da cozinha. Ela só precisaria disso. Preparou o laboratório, separou dois gatos e o velho pastor alemão. Dois pequenos mais um velho e um cérebro dá o quê? Um pai com três corações. Muito carinhoso e fofinho, com seu pêlo macio.

Ele articulava palavras com uma certa dificuldade. Não conseguia mais fazer experiências, mas dava muitos conselhos a Greta. Ela voltou a trabalhar. Enquanto estava fora, seu pai limpava a casa.

Quando o coração do cachorro parou de bater, Greta trocou pelo de um vira-lata que estava passando pela rua. E ela ainda tinha 8 gatos espalhados pela casa.