20 maio 2009

Bota ovo, Edina!

A galinha Edina enjoou de milho. Teve a brilhante idéia de assaltar a geladeira dos humanos para ver o que eles comem de bom. Quando o fazendeiro Zé foi dar milho para suas companheiras, ela escapou para fora do poleiro e se escondeu atrás de um arbusto. Esperou Zé ir dar comida para os cavalos antes de seguir seu plano benigno. Em suas tentativas sempre fracassadas de voar, foi pulando até a janela da cozinha. A janela estava aberta. “Que cheiro bom!”, pensou Edina. Subiu em uma pedra, em outra e pulou para a soleira da janela. “Pooopoooatz, pisei em alguma coisa! Uma torta de maçã! Nhammm!”. Deu duas bicadinhas e adorou.

Entrou na cozinha e passou na frente do forno. Deu arrepio na espinha da coitadinha. Desde que era um pequeno pinto, ela ouvia histórias horripilantes sobre a malvadeza dos fogões. Mas sobre as bocas de fogão, ela encontrou panelas tapadas. Com singelas patadinhas na tampa, ela abriu uma a uma. Bicadinhas na batata cozinha “Que coisa molenga e sem gosto!”. Bicadinhos no feijão. “Parece milho mole com caldo. Ou pequenas batatinhas com casca.”. Uma cheiradinha no caldo de conteúdo não-identificado. “Vovóoooo! Popóooo! Buáaaaa!”. Quando passou, ela continuou. Viu uma coisa esquisita branca espatifada com uma bola amarela no meio. “Que estrela bonita!”. Comeu e adorou. Comeu e aprovou. Comeu e raspou a panela.

Ouviu passos de alguém voltando para a cozinha. Deu voadinhas fracassadas até a janela e se mandou para o poleiro. Contou para todas as galinhas da coisa deliciosa que tinha descoberto na cozinha.

No dia seguinte, o fazendeiro Zé veio buscar os ovos. Fafelmina botou. Galota botou. Pintinha botou. Gordinha botou. Mestiça botou. E a Edina? “Edina, cadê seu ovo?”. Ela fez força, fez força, e nada. “Vaaaai! Bota ovo, Edina!”. Fez força, fez força e seu ninho começou a tremer, o poleiro começou a tremer, junto com todas as galinhas e o fazendeiro Zé. Sem se mexer, Edina começou a ir para o alto do poleiro, em cima de uma montanha de grãos de milho que ela estava botando.

06 maio 2009

Qual é a potência do seu 2?

Elizabete tinha uma vida dupla. Trabalhava de dia e estudava à noite.
No trabalho, de dia, tinha uma vida dupla. Trabalhava em uma loja e em um restaurante.
Na faculdade, à noite, tinha uma vida dupla. Fazia Administração de Empresas e Química, em faculdades diferentes, mas ao mesmo tempo.

De dia, no trabalho no restaurante, tinha uma vida dupla. Era garçonete e caixa.
De dia, no trabalho na loja, tinha uma vida dupla. Era vendedora e faxineira.

À noite, na faculdade de Administração, tinha uma vida dupla. Estudava e namorava Pedro.
À noite, na faculdade de Química, tinha uma vida dupla. Fazia experiências no laboratório e namorava Alberto.

De dia, no trabalho no restaurante como garçonete, tinha uma vida dupla. Preparava bebidas e servia bebidas.
De dia, no trabalho no restaurante como caixa, tinha uma vida dupla. Cobrava das pessoas que queriam pagar e levava bronca pelas pessoas que saíam sem pagar.

De dia, no trabalho na loja como vendedora, tinha uma vida dupla. Vendia para alguns e mentia para outros.
De dia, no trabalho na loja como faxineira, tinha uma vida dupla. Limpava o chão e depois sujava andando sobre ele como vendedora.

À noite, enquanto estudava na faculdade de Administração, tinha uma vida dupla. Fazia seus trabalhos e o de seus colegas, para fazer um extra.
À noite, enquanto namorava Pedro na faculdade de Administração, tinha uma vida dupla. Amava Pedro e enganava Pedro, que nada sabia de Alberto.

À noite, enquanto fazia experiências no laboratório na faculdade de Química, tinha uma vida dupla. Fazia experiências corretas, ou incorretas para queimar o cabelo de quem ela não gostava.
À noite, enquanto namorava Alberto na faculdade de Química, tinha uma vida dupla. Amava Alberto, mas preferia Pedro e não sabia como contar isso a Alberto.

Para ficar acordada, Elizabete tomava dois cafés de dia e mais dois cafés à noite.
Para dormir, Elizabete tomava dois soníferos no começo da noite e mais dois quando acordava no meio da noite.

Um dia, ela não encontrou café nem sonífero. Elizabete explodiu e virou um fio de cabelo.

O umbigo da árvore da semente

Acabei de colocar uma semente no meu umbigo, e ela brotou. Vibrou com minhas células de emoção transbordando pela pele. A alegria que fez vibrar o interior da sementinha que ainda não era nada. Devido ao fototropismo, ela está crescendo em direção ao céu, neste exato momento. Tenho sombra, o sol não me incomoda. Tenho cobertura, estou sempre ao abrigo da chuva, do vento e das pessoas más. A árvore é de um jeito que nunca vi antes, ela canta e mexe os galhos sem parar. E é só minha. Cada pode ter a sua, do seu jeito, mas não encontra, ou não sabe ver, ou não quer acreditar. Minha árvore subiu até o céu e encontrou o pé de feijão e o gigante e o João. Tão nova, já está cansando de crescer. Quer descansar em uma rede. Mas, para isso, precisa encontrar outra árvore saindo de um outro umbigo para poder pendurá-la.