19 junho 2009

O peixinho dourado ficou cinza

O peixinho dourado morava num aquário redondo. Tinha uma pedrinha, uma casinha e bolhas, muitas bolhas. Sua dona era uma menininha de fita roxa no cabelo e vestidinho rodado.

Numa visita à casa da fazenda, o peixinho foi junto. A menina, que amava seu peixinho, virou o aquário sobre o lago, achando que ele seria mais feliz com amigos peixes. A água escorreu, o peixinho saltou, voou pelo ar, mergulhou no lago.

Era uma água com gosto diferente, cheiro diferente. Um amigo peixe apareceu, seguido da garganta do amigo peixe, seguido de escuro e silêncio.

Final 2:
Era uma água com gosto diferente, cheiro diferente. Um amigo peixe apareceu. Ele disse que queria ser dourado, queria morar no aquário de uma menininha de fita roxa no cabelo. Foi quando ele viu uma minhoca e, faminto, abocanhou-a verozmente. Foi parar nas mãos do pai da menininha, que fez um delicioso jantar.

09 junho 2009

Sevink

E a gaveta se fechou. Escuro, noite, sombra, medo, diversão, esconderijo, luxúria, incerteza, cegueira, surdez. Ao seu redor, vários de seus semelhantes. Ao seu lado, semelhantes entre si. Do outro lado, o mesmo. Abaixo, também.

A noite cai, os zumbis se levantam, os lobisomens saem na rua, os opostos se atraem e as facas dormem. Dormem e sonham, têm pesadelos. O medo das quatro pontas do garfo costuma causar incômodo nas horas em que o cérebro descansa.

A sonolência começa a bater. Os pensamentos se confundem. Ela está sobre um prato, equilibrada sobre a mão de um garçom. “Não, de uma garçonete. Bonita ela!” Desastrada, escorregou. A faca caiu. Caiu no sonho, levou um susto, tremeu as pernas e acordou.

Era só um pesadelo. Há quem diz que é o espírito da faca se desprendendo de seu corpinho metálico, para uma viagem de talher astral. Tudo o que interessa para ela é voltar a dormir. A noite continua. Ela fecha os olhos.

Que cheiro bom. Toc toc toc toc. A faca batendo na tábua cortando alguma coisa. Cheiro bom, gosto de cenoura. “Estão fazendo uma sopa comigo.” Uma voadinha até o próximo legume. “Opa, abobrinha.” Frango, salsinha, cebolinha. Raspa tudo pra dentro da panela com água fervente. Raspa a colher e raspa o prato. Sonho bom, cheiro bom. Próximo.

É tudo um breu. Está no escuro. Acordada? Dormindo. Sonho com trilha sonora, Hitchcock, suspense. Voa para frente e para trás, para frente e para trás. Alguém está caminhando com a faca na mão. Tudo escuro, pesadelo sombrio. A faca não vê o que acontece, escuta. O ranger de uma porta. Passos. Grito. Suspense. Movimentos bruscos. Silêncio, breu, culpa, aflição, breu, reflexão, breu, certeza, alívio. Quando a faca sonha que está cega, não pode matar ninguém.