09 junho 2009

Sevink

E a gaveta se fechou. Escuro, noite, sombra, medo, diversão, esconderijo, luxúria, incerteza, cegueira, surdez. Ao seu redor, vários de seus semelhantes. Ao seu lado, semelhantes entre si. Do outro lado, o mesmo. Abaixo, também.

A noite cai, os zumbis se levantam, os lobisomens saem na rua, os opostos se atraem e as facas dormem. Dormem e sonham, têm pesadelos. O medo das quatro pontas do garfo costuma causar incômodo nas horas em que o cérebro descansa.

A sonolência começa a bater. Os pensamentos se confundem. Ela está sobre um prato, equilibrada sobre a mão de um garçom. “Não, de uma garçonete. Bonita ela!” Desastrada, escorregou. A faca caiu. Caiu no sonho, levou um susto, tremeu as pernas e acordou.

Era só um pesadelo. Há quem diz que é o espírito da faca se desprendendo de seu corpinho metálico, para uma viagem de talher astral. Tudo o que interessa para ela é voltar a dormir. A noite continua. Ela fecha os olhos.

Que cheiro bom. Toc toc toc toc. A faca batendo na tábua cortando alguma coisa. Cheiro bom, gosto de cenoura. “Estão fazendo uma sopa comigo.” Uma voadinha até o próximo legume. “Opa, abobrinha.” Frango, salsinha, cebolinha. Raspa tudo pra dentro da panela com água fervente. Raspa a colher e raspa o prato. Sonho bom, cheiro bom. Próximo.

É tudo um breu. Está no escuro. Acordada? Dormindo. Sonho com trilha sonora, Hitchcock, suspense. Voa para frente e para trás, para frente e para trás. Alguém está caminhando com a faca na mão. Tudo escuro, pesadelo sombrio. A faca não vê o que acontece, escuta. O ranger de uma porta. Passos. Grito. Suspense. Movimentos bruscos. Silêncio, breu, culpa, aflição, breu, reflexão, breu, certeza, alívio. Quando a faca sonha que está cega, não pode matar ninguém.

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