30 junho 2010

1 ano

Em intervalos de um ano, um blog deixa de existir e volta a existir. Passou um ano. E agora, José? Cadê a Maria?

19 junho 2009

O peixinho dourado ficou cinza

O peixinho dourado morava num aquário redondo. Tinha uma pedrinha, uma casinha e bolhas, muitas bolhas. Sua dona era uma menininha de fita roxa no cabelo e vestidinho rodado.

Numa visita à casa da fazenda, o peixinho foi junto. A menina, que amava seu peixinho, virou o aquário sobre o lago, achando que ele seria mais feliz com amigos peixes. A água escorreu, o peixinho saltou, voou pelo ar, mergulhou no lago.

Era uma água com gosto diferente, cheiro diferente. Um amigo peixe apareceu, seguido da garganta do amigo peixe, seguido de escuro e silêncio.

Final 2:
Era uma água com gosto diferente, cheiro diferente. Um amigo peixe apareceu. Ele disse que queria ser dourado, queria morar no aquário de uma menininha de fita roxa no cabelo. Foi quando ele viu uma minhoca e, faminto, abocanhou-a verozmente. Foi parar nas mãos do pai da menininha, que fez um delicioso jantar.

09 junho 2009

Sevink

E a gaveta se fechou. Escuro, noite, sombra, medo, diversão, esconderijo, luxúria, incerteza, cegueira, surdez. Ao seu redor, vários de seus semelhantes. Ao seu lado, semelhantes entre si. Do outro lado, o mesmo. Abaixo, também.

A noite cai, os zumbis se levantam, os lobisomens saem na rua, os opostos se atraem e as facas dormem. Dormem e sonham, têm pesadelos. O medo das quatro pontas do garfo costuma causar incômodo nas horas em que o cérebro descansa.

A sonolência começa a bater. Os pensamentos se confundem. Ela está sobre um prato, equilibrada sobre a mão de um garçom. “Não, de uma garçonete. Bonita ela!” Desastrada, escorregou. A faca caiu. Caiu no sonho, levou um susto, tremeu as pernas e acordou.

Era só um pesadelo. Há quem diz que é o espírito da faca se desprendendo de seu corpinho metálico, para uma viagem de talher astral. Tudo o que interessa para ela é voltar a dormir. A noite continua. Ela fecha os olhos.

Que cheiro bom. Toc toc toc toc. A faca batendo na tábua cortando alguma coisa. Cheiro bom, gosto de cenoura. “Estão fazendo uma sopa comigo.” Uma voadinha até o próximo legume. “Opa, abobrinha.” Frango, salsinha, cebolinha. Raspa tudo pra dentro da panela com água fervente. Raspa a colher e raspa o prato. Sonho bom, cheiro bom. Próximo.

É tudo um breu. Está no escuro. Acordada? Dormindo. Sonho com trilha sonora, Hitchcock, suspense. Voa para frente e para trás, para frente e para trás. Alguém está caminhando com a faca na mão. Tudo escuro, pesadelo sombrio. A faca não vê o que acontece, escuta. O ranger de uma porta. Passos. Grito. Suspense. Movimentos bruscos. Silêncio, breu, culpa, aflição, breu, reflexão, breu, certeza, alívio. Quando a faca sonha que está cega, não pode matar ninguém.

20 maio 2009

Bota ovo, Edina!

A galinha Edina enjoou de milho. Teve a brilhante idéia de assaltar a geladeira dos humanos para ver o que eles comem de bom. Quando o fazendeiro Zé foi dar milho para suas companheiras, ela escapou para fora do poleiro e se escondeu atrás de um arbusto. Esperou Zé ir dar comida para os cavalos antes de seguir seu plano benigno. Em suas tentativas sempre fracassadas de voar, foi pulando até a janela da cozinha. A janela estava aberta. “Que cheiro bom!”, pensou Edina. Subiu em uma pedra, em outra e pulou para a soleira da janela. “Pooopoooatz, pisei em alguma coisa! Uma torta de maçã! Nhammm!”. Deu duas bicadinhas e adorou.

Entrou na cozinha e passou na frente do forno. Deu arrepio na espinha da coitadinha. Desde que era um pequeno pinto, ela ouvia histórias horripilantes sobre a malvadeza dos fogões. Mas sobre as bocas de fogão, ela encontrou panelas tapadas. Com singelas patadinhas na tampa, ela abriu uma a uma. Bicadinhas na batata cozinha “Que coisa molenga e sem gosto!”. Bicadinhos no feijão. “Parece milho mole com caldo. Ou pequenas batatinhas com casca.”. Uma cheiradinha no caldo de conteúdo não-identificado. “Vovóoooo! Popóooo! Buáaaaa!”. Quando passou, ela continuou. Viu uma coisa esquisita branca espatifada com uma bola amarela no meio. “Que estrela bonita!”. Comeu e adorou. Comeu e aprovou. Comeu e raspou a panela.

Ouviu passos de alguém voltando para a cozinha. Deu voadinhas fracassadas até a janela e se mandou para o poleiro. Contou para todas as galinhas da coisa deliciosa que tinha descoberto na cozinha.

No dia seguinte, o fazendeiro Zé veio buscar os ovos. Fafelmina botou. Galota botou. Pintinha botou. Gordinha botou. Mestiça botou. E a Edina? “Edina, cadê seu ovo?”. Ela fez força, fez força, e nada. “Vaaaai! Bota ovo, Edina!”. Fez força, fez força e seu ninho começou a tremer, o poleiro começou a tremer, junto com todas as galinhas e o fazendeiro Zé. Sem se mexer, Edina começou a ir para o alto do poleiro, em cima de uma montanha de grãos de milho que ela estava botando.

06 maio 2009

Qual é a potência do seu 2?

Elizabete tinha uma vida dupla. Trabalhava de dia e estudava à noite.
No trabalho, de dia, tinha uma vida dupla. Trabalhava em uma loja e em um restaurante.
Na faculdade, à noite, tinha uma vida dupla. Fazia Administração de Empresas e Química, em faculdades diferentes, mas ao mesmo tempo.

De dia, no trabalho no restaurante, tinha uma vida dupla. Era garçonete e caixa.
De dia, no trabalho na loja, tinha uma vida dupla. Era vendedora e faxineira.

À noite, na faculdade de Administração, tinha uma vida dupla. Estudava e namorava Pedro.
À noite, na faculdade de Química, tinha uma vida dupla. Fazia experiências no laboratório e namorava Alberto.

De dia, no trabalho no restaurante como garçonete, tinha uma vida dupla. Preparava bebidas e servia bebidas.
De dia, no trabalho no restaurante como caixa, tinha uma vida dupla. Cobrava das pessoas que queriam pagar e levava bronca pelas pessoas que saíam sem pagar.

De dia, no trabalho na loja como vendedora, tinha uma vida dupla. Vendia para alguns e mentia para outros.
De dia, no trabalho na loja como faxineira, tinha uma vida dupla. Limpava o chão e depois sujava andando sobre ele como vendedora.

À noite, enquanto estudava na faculdade de Administração, tinha uma vida dupla. Fazia seus trabalhos e o de seus colegas, para fazer um extra.
À noite, enquanto namorava Pedro na faculdade de Administração, tinha uma vida dupla. Amava Pedro e enganava Pedro, que nada sabia de Alberto.

À noite, enquanto fazia experiências no laboratório na faculdade de Química, tinha uma vida dupla. Fazia experiências corretas, ou incorretas para queimar o cabelo de quem ela não gostava.
À noite, enquanto namorava Alberto na faculdade de Química, tinha uma vida dupla. Amava Alberto, mas preferia Pedro e não sabia como contar isso a Alberto.

Para ficar acordada, Elizabete tomava dois cafés de dia e mais dois cafés à noite.
Para dormir, Elizabete tomava dois soníferos no começo da noite e mais dois quando acordava no meio da noite.

Um dia, ela não encontrou café nem sonífero. Elizabete explodiu e virou um fio de cabelo.

O umbigo da árvore da semente

Acabei de colocar uma semente no meu umbigo, e ela brotou. Vibrou com minhas células de emoção transbordando pela pele. A alegria que fez vibrar o interior da sementinha que ainda não era nada. Devido ao fototropismo, ela está crescendo em direção ao céu, neste exato momento. Tenho sombra, o sol não me incomoda. Tenho cobertura, estou sempre ao abrigo da chuva, do vento e das pessoas más. A árvore é de um jeito que nunca vi antes, ela canta e mexe os galhos sem parar. E é só minha. Cada pode ter a sua, do seu jeito, mas não encontra, ou não sabe ver, ou não quer acreditar. Minha árvore subiu até o céu e encontrou o pé de feijão e o gigante e o João. Tão nova, já está cansando de crescer. Quer descansar em uma rede. Mas, para isso, precisa encontrar outra árvore saindo de um outro umbigo para poder pendurá-la.

28 abril 2009

As aparências (e os sintomas) enganam

Felizberto era um cara muito feliz. Ria de tudo. De qualquer piada, não só pra não perder o amigo.
- O que uma abelha disse pra outra?
- Pega no mel!
- Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!
- Entendeu? Pega no meu! No mel! Hahaha!
- Ha! Ha! Rrrróinc. Ha! Ha! Rrrróinc. Rrrróinc.

Era uma noite de lua cheia. Felizberto foi jantar com amigos e um prospect de namorada, a Lisa. O casal de amigos dividiu um salmão ao molho de alcaparras com quinoa. Ele pediu pato ao molho de maçã e purê de batata salsa. Sua potencial namorada pediu feijoada.

Ele acabou o prato muito rápido. O outro casal ficou satisfeito em seguida, mas não comeu tudo. Felizberto, que comia pouco normalmente, comeu o que sobrou do prato deles. Lisa comeu só metade de sua feijoada. Feliz pediu pra comer o que sobrou, afinal, já estavam no 10º encontro, e comer restos não é mais tão grave.

Feliz ficou muito alegre depois de tudo comer. Pagaram a conta e foram para um bar. Choppinho vai, choppinho vem. Conversa vai, conversa vem. Felizberto já estava até contando histórias que não se deve contar em público sobre sua viagem aos EUA. De repente, ele começou a se sentir mal.
- Viu, Fê! Bebeu demais!
- Eu? Eu nããão! Ha! Ha! Rrrróinc. Rrrróinc. Vou ao banheiro.

Enjôo. Mas não enjôo de chopp. “Deve ter sido a feijoada.”, pensou. Coceira nos braços, nas pernas, por tudo. Alergia!? Seus pêlos estavam mais grossos e duros. Estranho. Tomou uma água e voltou para a mesa. Ao sentar, sentiu uma dor nas costas, na altura do cóccix. Coçou e sentiu um voluminho. Era algo em espiral. Um saca-rolhas estava no bolso traseiro de sua calça. Estranho!
- Vamos pedir um vinho, então!
- Qual você quer, Linda?
- Pode escolher!
- Hummm. Pode ser esse francês de Lavois Gen.

Pediram ao garçom, começaram a beber. A noite avançava e o frio começava. Felizberto começou a sentir um friozinho. Espirrou. O nariz ficou trancado. Espirrou bastante, assoou o nariz. O nariz ficou inchado. Com sinusite, seus olhos ficaram pequenos. Cada um voltou para sua casa. Estava tarde e ele não queria ficar mais doente.

No dia seguinte, Felizberto foi ao médico: estava com gripe suína.

27 abril 2009

Bendito caroço

A casca verde listrada da fruta no chão revela pouca coisa.
Melancia verde é rosa e tem gosto de água com pouco açúcar. Do tipo que não acalma nem depois de um sustinho com aranha papa-mosca.

Por dentro, a cor porosa cheia de água enche os olhos de gosto de viver. E as sementes que ali moram são felizes criaturas. Contentes por cumprir seu papel na natureza. Alegres por criar interação entre as pessoas.

Põe na boca e gospe. Acerta a cara. No nariz, vale 12 pontos. 50 pontos se acertar no cabelo black power da mocinha do café. Nojento é tirar a semente com o garfo antes de comer. Ou de tirar da boca com a mão, mesmo que discretamente. Nojento é engolir a semente e fazer nascer plantinha na barriga. Ainda é capaz de confundir com gravidez e aí a casa cai.

Melhor cair na terra fértil e continuar enganando as pessoas com seu disfarce infalível. E ser fatiada e esquecida para atrair mosquinha de banana. Um insetinho atrai outro. E vem a aranha papa-mosca e “BU!” pra você. Come melancia e se acalma.

17 abril 2009

5!

- Quanto você quer?
- 5!
- Então, você quer 120?
- Como assim?
- Ora, 5x4x3x2x1 é 120.
- Não, quero 5!
- Então, não são "5!", mas "5.".

16 abril 2009

Pão, não!

- Moça, me vê cinco pãezinhos, por favor?
- Não tem.
- Pode ser pão d’água, se não tiver.
- Não tem.
- Pão de queijo?
- Não tem.
- Nossa. Não tem nada? Acabou? Eu espero.
- Não, não vai dar.
- Por quê?
- Na verdade eu tenho pão, mas não pra você.
- Por quê?
- Ah, moço, sei lá. Porque eu não fui com a sua cara.
- E o que isso tem a ver? Eu estou aqui para comprar pão, não pra ser seu amigo.
- E daí, não gostei de você como cliente.
- Eu não quero ser seu cliente. Depois dessa, não vou exatamente querer voltar aqui. Mas, só o pão de hoje, moça.
- Já disse que não. Tá difícil de entender? … PRÓXIMO!
- Aposto que é porque eu tenho cabelo castanho, né?! Ou são os olhos pretos?
- Talvez. Olha moço, a fila tá grande, faz favor de se retirar?
- Aposto que é só porque eu sou diferente que não posso comprar pão. Por quê? Tenho culpa se eu não nasci ruivo que nem todo mundo?
- Não tem nada a ver. Eu não fui com a sua cara mesmo. E eu não atendo quem eu não gosto. Vai tentar em outra padaria.
- Já é a segunda.
- Paciência. Eu não posso te ajudar. O problema não é meu.
- Isso é discriminação, eu vou ligar pra polícia.
- Quer usar o telefone daqui?
- Como assim?
- Daí, fala que você tá na panificadora da Dona Lurdes.
- Por quê???
- Daí o xerife vai te dar mais atenção.
- Como assim?
- Ué! Ele é marido da Dona Lurdes.
- Ah, é…?!
- Tem certeza que vai querer brigar pelo pão francês?
- Ah, moça, eu só queria levar pão pra casa. Não te fiz nada. Sério. O que está acontecendo com as pessoas?
- Se você continuar me enchendo o saco, eu mesma vou ligar pra polícia.
- Nossa! Tchau, então.
- Fala obrigado e boa noite, mal educado. Alguém aqui te tratou mal? E atenção, tem um segurança ali fora. Vai pedir um francesinho pra ele, vai. Tenta.

O cara sai da panificadora em silêncio, sem dizer obrigado nem boa noite.

- PRÓXIMO! E desculpem pela bagunça desse sujeitinho. Coisa de moreno de olhos pretos, mesmo.

30 março 2009

Papai Noel da Silva

Andando na rua com suas chinelas e bengalas, Papai Noel da Silva, brasileiro natural de Curitiba, 72 anos. Pela Cruz Machado seguia seu caminho, num dia de verão típico da Bahia. Bermudão vermelho, jaqueta leve vermelha, meias listradas à la “Onde está o Wally” esticadas até o joelho, bengala na mão direita, guarda-chuva vermelho (usado como bengala) na mão esquerda. Meio magrinho, barbas de profeta do povo. Papai Noel europeu tem barba cheia e branquinha. A dele era rala, longa e fina como a do Saruman, o mago malvado do Senhor dos Anéis. Ou ele deu uma aparada para suportar o verão, ou é fã do filme.

Papai Noel de férias? Que nada. Aquele ali torrou todo o salário do Natal de 2008 em cachaça. Não estava bêbado, mas tinha cara de que bebia. Além do mais, andava com uma bengala de cada lado do corpo apesar de suas pernas parecerem bem sadias. Mas deu pena. Pensei, ele é tão bonzinho. Dá presente pra todo mundo. Bota um monte de sorrisos na cara. E tá ali, pobre e coitado. Vontade de começar um movimento, estilo “Adote um Papai Noel quando o Natal passar”.

O clima de Natal bateu na minha alma. Na cabeça, comecei a cantar “Jingle Bell”, e a balançava levemente de um lado ao outro. Sorriso na cara e felicidade típica de dezembro. Pensei em tirar uma foto dele para guardar aquela emoção. Mas fiquei estática. Ele andava em minha direção ou em direção às putas que deveriam estar drogadas e estiradas no chão dos h(m)otéis da Cruz Machado. Passou por mim e disse: “Tudo bem, criança?”.

26 março 2009

Fumar é bom e eu gosto

- Boa tarde, senhorita.
- Boa tarde, doutor.
- Diga-me: o que você tem?
- Falta de ar, de fôlego. Moro no oitavo andar sem elevador. Não é fácil!
- Você está gripada? Mais algum outro sintoma?
- Eu fumo. Mas não quero parar de fumar.
- Mas é por isso que você tem falta de ar.
- Eu sei, mas eu amo fumar.
- Por quê?
- Não sei, é muito bom! Quando eu acendo o cigarro, o fogo que começa a queimar me dá uma inspiração inexplicável! Uma luz que brilha, um novo começo, calma. Quando eu puxo o ar, é como se ganhasse um novo fôlego. A fumaça que está dentro de mim, tenho a impressão que limpa tudo. Quando eu expiro, sinto que tudo de ruim sai junto com a fumaça. Um alívio.
- Mas você está consciente de todos os problemas que o cigarro causa?
- Sim, mas o cigarro não me faz mal. Me faz bem! Sabe, doutor, minha família não mora aqui, não tenho filhos, não tenho marido nem namorado, mas tenho o meu cigarro.
- Você tem sérios problemas.
- Não tenho nenhum.
- Mas… você não tem ninguém de próximo?
- Escuta, os problemas são os filhos, os caras. Eu não tenho nenhum problema.
- Você precisa parar de fumar, senão não vai voltar a ter fôlego.
- Fumar é bom e eu gosto. Você não pode só me prescrever um remédio pra fôlego?
- Não existe. Você precisa tentar parar!
- Eu já tentei. Uma vez… fiquei 3 horas sem fumar. Foi bem dificil! Outra vez, que foi o máximo que eu consegui, foi durante uma semana.
- Isso já é bom! Bem, você tem um vício. O cigarro te dá força emocionalmente.
- Nao é isso. Sou viciada pela nicotina mesmo.
- Mas faz mal. Bem, você já tentou os chicletes de nicotina?
- Não. Mas não é só isso, eu preciso ver a fumaça que sai de dentro de mim e leva embora os meus problemas.
- Ah! Então, você tem problemas?
- Não tenho! Porque eu fumo.
- Sei, sei.
- Ah, não existe um tipo de cigarro sem nicotina?
- Não que eu saiba.
- Caralho! A gente poderia inventar isso. Abrir um novo negócio. Ganhar uma grana! O que você acha?
- … . Então, vamos tentar o método do chicletes, senhorita. Você pode comprar nessas farmácias aqui.
- Dá pra esperar um pouco pra começar o tratamento?
- Hummm… dá! Você quer começar quando?
- No inverno.
- Por quê?
- Porque daí tá frio. Eu posso respirar fundo quando tô mascando o chicletes. E, depois, quando eu expirar, vou ver a fumacinha saindo. Pode ser que funcione…

18 março 2009

Formiga Mór

Coloquei o pé direito no meio de uma trilha de formigas. Não me picaram. Mas três delas me levaram embora, junto com um pedaço de folha de bananeira e umas migalhas de pão de centeio. Fui parar no formigueiro. A Formiga Mór pediu para falar comigo e eu fui lá, na sala de reuniões para assuntos extraterrestres. Ela perguntou o que eu queria ali e eu disse que nada. “Só estava esperando o ônibus passar e coloquei o pé no lugar errado. Me desculpe.”. “O problema não é meu, agora você vai virar comida.”, disse a má Formiga Mór. Esmaguei ela com minhas havaianas pretas slim e voltei para o ponto de ônibus.

12 março 2009

Maçã

Era uma vez uma maçã que sentia dor. Ela tinha sinusite.

09 março 2009

Carne de boi

E o açougueiro cortou um bife do boi que morava no alto da montanha. Dona Lurdes comprou o mignon do boi para fazer um jantar especial a seus dois netinhos que se formaram no final do ano passado. Os netos já tinham 22 anos, e eram primos, não irmãos. Eles estavam terminando os estudos de psicologia. A coordenadora do curso deles tinha acabado de se aposentar depois de 30 anos de carreira. Ela reclamava que o marido não lhe dava atenção, e examinava meticulosamente cada ação e palavra do pobre coitado. Otávio era vegetariano, e sofria nas mãos de sua esposa que adorava cozinhar bife e frango. Passou anos comendo só salada. Ao menos, sua esposa comprava salada orgânica. Motivo pelo qual ele ainda era vivo e sua irmã, que era 5 anos mais nova, já estava lá no céu. Olívia só comia carne gorda, três vezes por dia. Odiava mignon. Deixava para as senhoras que queriam criar bois no alto de montanhas.

03 março 2009

A tinta que escorre

A tinta gosta de sujar. Suja vestido branco, suja mão, suja mindinho que arrasta na folha na hora de escrever. Suja pincel, suja camisa. Desbota e escorre.

Pinta muro. Pinta parede. Pinta casa. Quarto de menino vira de menina. Sala de estar vira de mal-estar. A parede branquinha vira roxa com estampa de zebrinhas e a menina certinha que morava lá precisa trocar de endereço.

Pinta clima. Pinta almas. O céu azul pintou um sorriso, um milhão deles. A noite toda escura é sombria. A luz branca das estrelas dá aquela esperança no fundo dos olhos. O verde da plantinha enche o pulmão. Vontade de viver. O azul do mar relaxa. O bege da praia relaxa. O amarelo esbranquiçado do sol relaxa e cega.

Mancha a vista. Mancha a pele. A tinta manchou a batata da perna do cara e nunca mais saiu. Ficou lá para sempre. Fez marca Indiana, fez dez estrelas, fez cara de índio inca, fez o rosto da filha. E da batata da perna do cara, foi manchando por aí. Todas as partes do corpo de todos os corpos embaixo do sol de sorrisos. Fez código de barras, golfinho, Betty Boop e aquele trecho do Raul. Fez o mapa do mundo, uma formiga, uma pulga.

E pintou palavras, em todas as línguas. Palavras diferentes, sempre diferentes. Uma palavra igual, mas diferente, porque a pele não é a mesma. Escreveu Amour e mudou tudo. A cor do sol, o clima do vermelho, a cor a parede que precisa mudar. Soprou a palavra ao ar e parou de escorrer.

13 março 2008

A sala

Era uma sala muito engraçada. Tinha teto, tinha tudo. Tinha até uma pista de dança que era usada quando alguém queria soltar a franga.

Nessa sala, tinha um motoqueiro cabeludo e barbudo que fazia barulhos, ruídos, estalos e gemidos. Tinha também mais dois motoqueiros, um sem barba e sem muito cabelo, que morava num aquário gigante, e outro que você vai conhecer depois. Tinha a moça que botava ordem na casa e que fazia falta quando estava de férias. Ela adorava tomar sorvete. Tinha um bioconsciente vegetariano. Na verdade, tinha dois bioconscientes vegetarianos. Um com um relógio dentro do estômago, o outro com o dicionário da propaganda dentro da cabeça. Tinha também três pessoas que falavam francês: um motoqueiro temperamental, uma danificada tagarela e um que sempre sorria. Sempre.

Era uma sala muito engraçada, muito bizarra, com cada tipo estranho, engraçado e diferente. Era tanta loucura, que um moleque maloca maluco não agüentou, e fugiu pra outra sala, onde ele podia fazer mais arte. Pela sala também passaram um menino-peixe, que foi fisgado pela boca, e uma mulher cheia de idéias, que foi plantar as suas em um terreno seu.

Era uma sala muito engraçada que vai ficar longe no horizonte, que vai ficar na página que acabou de virar, que vai ficar na memória e no coração de todo maluco que passa por lá.

04 março 2008

Greta Maluca

Depois da morte do cientista maluco, Greta ficou sozinha em casa, sozinha no mundo. A mãe teve uma briga feia com seu pai quando ela tinha 7 anos. Sumiu e nunca mais deu notícias. De qualquer maneira, elas não se davam muito bem mesmo. Serena, mãe de Greta, só pensava em beber. E sabe-se lá o que ela fazia quando saía pra trabalhar à noite e só voltava quando Greta estava indo para a escola.

A infância não foi fácil. Apesar de ser o xodó do papai, uma presença feminina sempre fez falta. Seu pai não tinha muito tempo pra lhe dar atenção. Ele voltava de seu emprego na fábrica de sabão e ia direto para o sótão. Quando pequena, Greta nunca subia lá. Seu pai raramente deixava. Mas, ela não se importava muito. Aquilo tinha cheiro de coisa estranha. Cheiros que ela nunca havia sentido antes.

Mas agora, ela estava velha. Velha e sozinha. Perdeu dois dedos em uma experiência do pai. E ficou com cicatrizes no rosto depois de uma pequena explosão no "laboratório". Ninguém a quis. Pobre Greta. De feia virou ranzinza. E aí, a menor possibilidade de encontrar alguém se extinguiu.

Adolescente, acompanhava as experiências do pai pelo buraco da fechadura. Com o tempo, conseguiu permissão dele para observar mais de perto. Aos 20, começou a participar das maluquices daquele cientista maluco que era seu pai.

Acabou trabalhando a vida toda na mesma fábrica de sabão onde ele havia sido funcionário. Em 2 anos, ela se aposentaria. Mas, com a morte do pai, a pobre Greta entrou em depressão e abandonou o emprego.

Velha, sozinha, feia e ranzinza. Não tinha nada na vida. Seus únicos amigos eram os 10 gatos de diversas raças, um pastor alemão e o ratinho Stuart. Greta precisava de mais do que isso. Precisava de mais atenção e carinho. Queria seu pai de volta.

O cérebro estava congelado no freezer da cozinha. Ela só precisaria disso. Preparou o laboratório, separou dois gatos e o velho pastor alemão. Dois pequenos mais um velho e um cérebro dá o quê? Um pai com três corações. Muito carinhoso e fofinho, com seu pêlo macio.

Ele articulava palavras com uma certa dificuldade. Não conseguia mais fazer experiências, mas dava muitos conselhos a Greta. Ela voltou a trabalhar. Enquanto estava fora, seu pai limpava a casa.

Quando o coração do cachorro parou de bater, Greta trocou pelo de um vira-lata que estava passando pela rua. E ela ainda tinha 8 gatos espalhados pela casa.

19 fevereiro 2008

Lil' Red 2

A pequena menina de chapéuzinho vermelho nunca teve medo de lobos. Lobo é um cão selvagem. Mas, ainda assim, um cãozinho. Lobo não é mau. E todas essas histórias que contam sobre ele não são verdadeiras. Quem contou é falsa, mentirosa e má, muito má. Quem contou fez tudo o que fez e ainda incriminou o pobre lobo. Sua essência maligna criou o mau da humanidade, a vergonha, o egoísmo. Fez a Eva morder a maçã.

Ela estava passeando no bosque colhendo frutinhos para sua vovózinha. Uma menina fofinha como ela não tem medo de cãezinhos. Mas tem medo de aranhas e cobras.

Madame Margot era seu nome. Rastejadora, dona da floresta. Por ali, não havia leões; ela era a dona da floresta. Uma garotinha mimada não poderia atrapalhar. Mulheres não gostam de rivais. Uma cobra fêmea detesta.

Andava tanto pra ir e voltar da casa da avózinha que fez dois rastros no meio do bosque. Mas ninguém podia fazer rastros! Ela é a cobra da floresta, quem faz rastros é ela! E quem aquela garotinha pensa que é ao pegar todos os filhotes de lobo para domesticar?

Mas o plano estava feito. “O dia é hoje. Vou enganar a pequena, devorar a grande, e depois a pequena também.” Chapeuzinho saiu de casa. Atrás da primeira árvore da floresta estava Madame Margot. Ela hipnotizou Chapéu. Foi até a casa da vovó e fez a refeição que não fazia havia muito tempo. Estava digerindo a carne velha e seca da vovó.

Mas, na verdade, Chapéuzinho só fingiu ser hipnotizada. Chamou dois guardas-florestais e foram todos para a casa da vovó. Cortaram a pele da sucuri, tiraram a Vó Chapéu e mandaram a pele para uma fábrica de bolsas e calçados.

E os pobres lobos domesticados não têm nada a ver com isso. Afinal, quem tem medo do lobo mau?

01 fevereiro 2008

O tamanho de cada animal

O homem, com sua vontade de ser gigante, resolveu criar bichos toy.

Primeiro, veio o puddle toy. Aquele puddle que parece filhote pra sempre. Não é nem anão, é miniatura.

Em seguida, vieram as girafas toy, e logo se transformaram em animais de estimação. Dóceis, só comem folhas. Lentinhas, não fazem muita bagunça. Mas as samambaias não sobrevivem no mesmo hábitat.

Depois, vieram os leõezinhos de tamanho de ratos. Muito engraçados. Dá pra colocar o dedo na mini bocarra que antes parecia tão assustadora. Os dentes parecem de cartilagem. São ratinhos ferozes. Muito mais que as ratazanas.

Elefantes também viraram bons companheiros. O barulho é um pouco irritante, mas não tardou para inventarem um tapa-tromba, que resolveu tudo.

No topo do mundo, sentindo-se quase seu rei, o homem percebeu que aumentar animais inofensivos – e lucrativos, diga-se de passagem – não seria de todo mal. Ovelhas! Sim, ovelhinhas ovelhonas gigantes. Lã em excesso. Muito dinheiro.

Nasceu a primeira, a segunda. A terceira comeu a cabeça de seu criador cabeludo, achando que era uma erva-daninha.