15 dezembro 2007

O negrinho

Era uma vez um negrinho sem pernas. Ele usava touca e bermuda vermelha. Um belo dia, ele ganhou uma perna e se saciou.

11 dezembro 2007

Papai Noel bateu as botas

Nas manchetes de todos os jornais do mundo, lê-se: “Papai Noel bateu as botas”, “Papai Noel descansa em paz com seus duendes”, “O trenó do Papai Noel nunca mais vai mais voltar”, “Santa Claus is gone”, “Le Noël ne retournera jamais”.

Sim, o velhinho se foi. Alguns dizem que foi infarto, afinal, o bom velhinho roda o mundo há alguns bons anos. Outros preferem acreditar que ele morreu durante um sono profundo, sem dor, sem sofrimento. Mas a melhor história não é nenhuma dessas.

Rudolph, a doce rena do nariz vermelho cansou daquela vida. A pobre coitada era sempre perseguida. Todos queriam sua foto e seu autógrafo, mas era para tirar sarro. Ele detestava aquelas máscaras de rena com o nariz vermelho com as quais as criancinhas brincavam. Por que, por que nesse mundo ele havia nascido com aquele maldito nariz chamativo?

Se não fosse aquele gordo de barba branca, o mundo nunca perceberia o quanto seu nariz era ridículo. Rudolph queria paz, queria parar de ser perturbado. Queria se mudar com sua família para Aspen e trocar de identidade. Se chamaria Marques.

Rudolph fez um plano junto com o duende Astolfo – que também não gostava do velhinho de vermelho porque este um dia pisou no pé do pobre duende, e ele teve de amputar dois dedinhos. A idéia era dar um chá de sumiço no Noel, sem que ninguém percebesse.

Primeiro, presentearam a Mamãe Noel com uma viagem ao Caribe SEM ACOMPANHANTE. Quando ela partiu, o caminho facilitou. No mesmo dia, Astolfo entrou na sala da direção para entregar ao Velhaco o relatório dos brinquedos produzidos.
– Fala, Noelzito! Tenho uma boa notícia pra você. Meu cunhado tem uma chácara lá no Pólo Sul e disse pra eu convidar uns amigos... Tem de tudo lá, ele faz criação de Pingüim Imperador e tal. E o Rudolph falou que leva a gente, nem precisamos gastar com avião. Tá tranqüilo. Sem falar que ainda faltam 2 semanas pro Natal, a Mamãe Noel tá no Caribe... Bem que você merece!
– Ho ho ho. Muito obrigado, meu bom Astolfo. Aceito o convite. Quando partimos?

Ao final do expediente, os três foram para casa pegar as malas e partiram em direção ao Pólo Sul.

No primeiro dia, se divertiram fazendo briga de Pingüim Imperador. No segundo dia, foram esquiar. No terceiro dia, foram pescar.

- Rudolph, vem cá!
- Tô indo!

A rena saiu correndo em direção a Astolfo e ao Noel. Mas, quando tentou parar, escorregou e foi descontroladamente em direção ao Bom Velhinho. Noel caiu no buraco onde estavam pescando e congelou.

Rudolph e Astolfo nunca mais voltaram ao Pólo Norte. Eles se aposentaram e abriram um restaurante numa estação de esqui em Aspen.

Mas o que ninguém sabe ainda – nem a imprensa – é que o bom velhinho que foi ao Pólo Sul e nunca mais voltou é o sósia do Noel, aquele que fazia todos os filmes de Natal. Afinal, o espírito do Natal não pode morrer. E o Papai Noel não é nem um pouco burro.

04 dezembro 2007

Visita à Torre de Babel

Era uma tarde de férias. Estudantes despreocupados estavam prontos para um passeio diferente. Chegaram à rodoviária e lá estava o ônibus com sua plaquinha “Torre de Babel”. Pedro Afonso chegou atrasado mas, correndo, conseguiu entrar a tempo.

O ônibus era estranho por dentro. Várias filas de bancos, sem passagem de uma para a outra. Alguns assentos tinham encostos. Outros, não. Pedro logo se acomodou em um dos bancos vazios, que não tinham encostos.

O motorista deu a partida e lá foram eles na viagem à Torre de Babel. Ninguém sabia onde era (quem organizou a viagem não quis contar), mas parecia ser um lugar longe, algo como a 5 horas de viagem. O ônibus pára depois de 20 minutos.
– Podem descer, chegamos. – disse o motorista.

Pedro Afonso desce e estranha. Ele estava quase certo de que antes havia uma igreja ali. E a Torre de Babel havia sido construída por cima.

Os estudantes vinham aos montes e invadiam a Torre.
– Que estranho um lugar ser construído em cima de uma igreja. – disse um dos estudantes.

Nesse instante, aparece na entrada uma mulher muito estranha, com um coque no cabelo e cara de ranzinza, olhando todos por cima. Os estudantes se espalham por todos os lugares. Um lugar muito estranho, aquele. Escadas finas e curvas iam de lugar nenhum para lugar algum. Parecia uma ilusão. Um lugar nunca visto antes. Quase um labirinto de escadas, onde o objetivo era chegar à próxima sala.

Pedro Afonso andava, andava. O passeio havia começado bem, estava divertido. Uma loucura. Bem como ele imaginava ser a Torre de Babel.

Já estavam todos ali dentro, menos o motorista. A porta de entrada se fechou. Todos seguiram para o próximo aposento. Cada um foi para um lado. Pedro Afonso estava sozinho. A mulher ranzinza parou ao seu lado.
– Vocês nunca vão sair daqui. – disse ela, com toda a tranqüilidade do mundo.

O garoto riu, como se aquilo fosse uma piada ou uma brincadeira. Ela ficou ali, olhando para ele. Pedro apagou, não se lembrava onde estava. Acordou dentro de um lago. A mulher estava na beira e dizia:
– Pode tentar nadar, pode tentar se mexer. Seus impulsos cerebrais estão bloqueados. Você não vai conseguir sair daqui.

Ele se debatia, mas não conseguia. Queria se mexer, mas se mexia errado. Tudo torto. Não saía do lugar. Que agonia! Que lugar era aquele? Onde estavam os outros?

A mulher saiu de perto. Pedro Afonso chegou à beira. Não via ninguém. Andou por ali, achou um telefone. Tentava ligar mas ninguém atendia. Será que ninguém atendia ou ele não estava conseguindo discar os números? Uma lágrima contida escorreu no canto de seu olho esquerdo. Ele suava frio.

Saiu correndo, correndo. Andou por todos os lados. Passou por grandes salões vazios. Tudo estava abandonado. Viu um outro estudante passando de um lado ao outro da porta ao lado. Tentou chamar, a voz não saiu. Tentou andar, mas o estudante andou mais rápido. Ele saiu. Pedro Afonso perdeu a esperança.

Foi até essa porta e encontrou a saída. Um alambrado de 7 metros de altura e, na frente, a rua, o motorista, o ônibus. Ele gritou, mas ninguém escutou. Olhou para cima e viu o outro estudante escalando a parede de arame. Subiu atrás. Um braço, uma perna. Eles não queriam obedecer. Nunca foi tão difícil se mexer. Conseguiu com dificuldade. Subiu ao topo. Se atirou lá de cima. Só queria sair daquele lugar.

Caiu. Tudo parou. Ele não se mexia. Abriu os olhos e viu dois pés. Subiu os olhos e viu a mulher de coque.

29 novembro 2007

A bola redonda

Era uma vez uma bola redonda. Igual àquelas que criança faz rolar no chão, aos petelecos. Igual àquela que flutua no meio do nada, junto com várias outras, numa negra imensidão.

Explodiu, esquentou, esfriou, esquentou. Ela criou vida. Circulava por aí, rodava o Universo. Era uma bola bem verdinha. Verdinha e azul.

Ficou marrom, cinza, feia. Mas é só mais uma bola redonda, entre tantas outras. Não vai fazer diferença. "Ela que se exploda", disseram os homens – ou, ao menos, pensaram.

19 novembro 2007

A vida no automático

Josef vivia a vida no automático de vez em quando. Ficava lá do alto observando tudo. A única coisa que precisava escolher era a direção para a qual seus olhos iriam olhar.

Trabalhava sem pensar, digitava sem precisar formular as frases, resolvia contas enquanto apenas olhava para elas, vagamente. Seu corpo ia até o bebedouro e bebia água quando sentia vontade. Mas ele nem sabia quais eram suas vontades. Elas eram automáticas e automaticamente sanadas.

Mas se ele não sentia as vontades do corpo, como fazia quando sentia “vontade” de não ficar mais no automático? São passos muito simples para estar ou deixar de estar no automático: Primeiro, junte seus olhos vesgueando até o nariz. Sem tirar o olho esquerdo do lugar, gire seu olho direito três vezes no sentido horário (do seu ponto de vista, literalmente). Então, junte os dois no meio novamente. Pisque duas vezes rápido. Pisque de novo e fique 1 minuto com os olhos fechados. Quando você abrir os olhos, não estará mais no comando.

E assim, Josef passou 30 anos vivendo no automático. Quando resolveu voltar a ser seu próprio piloto, piscou os olhos e morreu. É muito mais fácil viver a vida como um mero espectador.

05 novembro 2007

O pé da cadeira

O pé da cadeira tem três irmãos. Um deles é seu gêmeo. Os outros dois também são. (Mas não dele, são gêmeos entre si.) É uma família um tanto equilibrada. Humildes, não se importam em ver tudo sempre por baixo. Tampouco que os outros se sentem em cima deles.

Aquela rotina era irritante. Senta, levanta. Senta, levanta. Puxa e empurra para fazer mais uma refeição naquele restaurantezinho do Bairro da Pitanga.

Tudo era tão quadrado até o maldito cupim desfigurar a cara do seu irmão gêmeo. O mais triste era ter de assistir à cena sem poder fazer nada. Ele e os outros dois irmãos, ali, imóveis.

Pobres móveis. Não têm reação. Assim como as folhas e as raízes da floresta onde morava Laggy, a lagarta*.

*23 de novembro de 2006.

04 outubro 2007

Alguns minutos antes do Gênesis

- Precisamos construir um complexo auto-suficiente.
- Ele pode ter como base os quatro elementos: fogo, água, terra e ar.
- Boa idéia. Mas e qual será o objeto de estudo?
- Bem, podemos testar nossos robôs orgânicos. Mas, para que o objeto de estudo não saiba que está sendo estudado, não podemos interferir.
- Precisa ser um complexo auto-suficiente.
- Sim. Talvez dois grupos, um se sustenta do outro.
- Isso. O que um produz alimenta o outro.
- Um grupo fixo e um móvel.
- Exato.
- Plantas e animais. Animais podem consumir O2 e plantas consomem CO2. Cada um produz o inverso. Assim, fazemos um círculo vicioso.
- Ótima idéia. Vá anotando o nome dos elementos químicos que vamos usar.
- E para a proliferação dos dois grupos, precisamos de alguma técnica.
- Ao grupo móvel só precisamos dar um estímulo. Um pode ir até o outro. Algo que os faça sentir bem vai resolver.
- O grupo fixo vai precisar do grupo móvel.
- Podemos fazer pequenas cápsulas voadoras que transportem o elemento fecundativo de um ser móvel ao outro.
- Podem ser insetos e pássaros.
- Aham. Acho que é basicamente isso. Os grupos se proliferam e se alimentam mutuamente. Se tudo correr como planejado, podem chegar à eternidade.
- Como faremos a observação e captação de amostras para checar o andamento do experimento?
- Bases subterrâneas. E visitas aéreas. Mas... eles não podem nos ver. Precisamos deixá-los desligados de tempos em tempos. Sem fornecimento de energia continuamente. Não podemos deixar uma estrela os alimentando. Risque essa parte.
- Certo. Mas, já que são auto-suficientes,os grupos podem também fornecer energia um ao outro. Energia em pequenas porções.
- E que precisa ser renovada a cada volta do complexo ao torno da estrela. Eles se cansam e precisam desligar o próprio sistema. Então, quando estiver escuro, podemos fazer visitas aéreas.
- Ótimo. Vai funcionar perfeitamente. Vamos acertando os detalhes na seqüência.
- Só espero que eles não quebrem o complexo. Sem um dos grupos, ele não funciona.
- É melhor cuidarmos do grupo móvel.
- É.

20 setembro 2007

Odor

Era fim de tarde, hora de gente suada de trabalho pegar ônibus para voltar pra casa. E eu, nada suada, infelizmente estava no meio. Nessas horas, podemos sentir muitos cheiros, é normal. Mas, nesse dia em especial, eu podia rastrear algo diferente. Cheio de cebola. Mas, cebola, mesmo. Não cecebola, só cebola.

Eis que olho para o lado e vejo uma moça se debatendo para conseguir se manter em pé com o balanço do ônibus, que mais parece um caminhão transportando bois. Ao invés de se segurar com as duas mãos, ela usava apenas uma. Na outra, aquele pacote maldito e fedorento: Cebolitos. Que é bom, é. Mas, tudo tem sua hora. E o ônibus-cece das seis não é exatamente apropriado.

Para conseguir pegar o conteúdo fétido, ela segurava a embalagem com a mesma mão que segurava no caninho do ônibus. E com a outra, pegava umas argolinhas cebolentas. Ela comia tão verozmente que lambia os dedos após cada punhado de salgadinho. Aquilo era tão nojento, mas tão nojento, que não podia piorar. Mas, piorou.

Depois de lamber os dedos, ela segurava com a mesma mão no caninho do ônibus. Aquele caninho em que centenas de pessoas iriam segurar depois e ter contato com a baba com restos de Cebolitos. E não parou por aí. Ela não tinha sido a primeira a pegar no caninho do ônibus. Quantas pessoas não seguraram nele com a mão suja de Deus-sabe-lá-o-que?

Com a mesma mão cheia de baba de Cebolitos misturada com sujeira de procedência desconhecida, ela pegou novamente mais um punhado de salgadinho. E lambeu os dedos de novo. E repetiu isso em todo o trajeto. Quando acabou o pacote, eu já estava verde de nojo. Não queria olhar para aquela cena. Mas, era tão bizarra que eu não conseguia parar de olhar.

Ela soltou as duas mãos do caninho, amassou o pacote e jogou pela janela, na rua. Não sabia que porcos gostavam de cebola.

19 setembro 2007

Impotência

E a vontade de crescer parou. A vontade de diminuir é irrealizável. Chega uma hora em que os ramos não crescem mais. Os dias passam nas pontas dos dedos, mas é impossível alcançá-los. O jeito é correr atrás.

17 agosto 2007

O fim

Duas formigas estavam caminhando numa estrada de terra batida. Era sexta-feira, e elas haviam nascido na quinta.

Passaram por um pássaro. Ele estava distraído, e as formigas não foram vistas por ele. Mas correram mesmo assim. Vai que acontece alguma coisa. É melhor não correr riscos.

Passaram por um lago, que, na verdade, era uma poça d’água. Para atravessá-lo, usaram uma folhinha verde como balsa, e um galhinho como remo.

Passaram por cupins. Um deles viu a formiga mais bronzeada (elas são muito parecidas, mas têm suas diferenças, assim como os homens amarelos) e saiu correndo atrás dela. Mas as duas formiguinhas tinham uma tática para fugir de predadores. Uma delas ficava atrás da outra e empurrava a da frente enquanto usava as 4 patas de trás. Assim, elas aumentavam sua velocidade em 25%.

Fugiram do cupim e chegaram no maior obstáculo já encontrado em suas vidas: uma encruzilhada.

7 anos depois, elas decidiram para onde ir. Mas como as formigas trabalhadeiras vivem só 7 anos, não deu tempo para que elas continuassem seu caminho.

Quando é hora, é hora.

16 julho 2007

O começo

No começo, não havia nada. Nada além dos dois raminhos de trigo que balançavam ao vento. Os dois estavam cravados na terra árida. Suas sementes estavam secas.

Aquilo era muito triste. A solidão, o silêncio do nada ecoando, o egoísmo de cada um dos dois ramos, que não se falavam nem se ajudavam.

Uma gota de lágrima bastou para que a tristeza acabasse. A terra se nutriu. Os raminhos ganharam força. As sementes secas caíram e nasceram novas, que também caíram e geraram novos raminhos de trigo.

Depois desse dia, a solidão, o silêncio e o egoísmo nunca mais foram vistos.

28 junho 2007

A árvore da montanha, Ô-lê-i-a-ô

Nessa árvore tinha um ninho. Ai, ai, ai, que amor de ninho. Ai, ai, ai, que belo ninho.

E neste ninho, tinha um pássaro. E este pássaro nunca tinha saído do ninho da árvore da montanha, ô-lê-i-a-ô.

Ele tinha asas, mas que só serviam pra esquentar sua barriga – que era grande, por sinal. Christian (o pássaro do ninho da árvore da montanha, ô-lê-i-a-ô) não fazia exercícios, só comia.

Comia lagartinhas de borboleta que passavam por ali, comia flores, comia frutinhos que caíam da árvore da montanha, ô-lê-i-a-ô. Mas não, ele não comia minhocas, porque não tinha um papai nem uma mamãe pra levar a comida até ele.

Christian era órfão, e tudo o que ele lembrava era de seus pais saindo para a lua-de-mel. (Ele não havia sido planejado, nasceu alguns dias antes do casamento de seus pais.) Os dois pombinhos, ou melhor, passarinhos, saíram em viagem para a árvore de pitangas. Mas, logo que levantaram vôo, uma pedrinha os acertou. Era o filho do lenhador que mora na floresta da árvore da montanha, ô-lê-i-a-ô, brincando de estilingue.

Aquele tiro foi fatal para o casal. E muito triste para o pequeno Christian. Sem pais, ele nunca aprendeu a voar. E nunca comeu uma minhoca na vida.

Quem sabe um dia, o lenhador que mora na floresta da árvore da montanha, ô-lê-i-a-ô, corte a árvore de Christian. E assim, ele poderá sair do ninho onde foi abandonado e ter o prazer de comer uma minhoca.

15 junho 2007

O mundo de Elisa

Um dos passatempos preferidos de Elisa era passear pelo campo roxo, cheio de flores verdes, que havia ao lado de sua casa. Ali, o céu ficava muito mais alaranjado que o normal. Os carneirinhos verde-limão pulavam de um lado da cerca ao outro. As formigas cor-de-rosa pipocavam o campo, com todos os seus formigueiros azuis. Ela podia ver as vaquinhas lilás com suas manchas brancas. E mais para lá, trabalhadores com a pele bem vermelha, quase cor de pepino.

Às vezes, Elisa levava seu cachorrinho azul para tomar água na pequena cachoeira com água esmeraldina. Era lindo ver a água bater naquelas pedrinhas coloridas. Tinha verde, azul, cor-de-rosa, laranja, amarela e vermelha. Era a coisa mais colorida que ela conhecia, ao contrario do arco-íris que surgia no céu quando chovia e fazia sol ao mesmo tempo. Ele era cinzento, mas em tons de cinza diferentes, como uma escala de cinza. Totalmente sem vida.

01 junho 2007

Duendes e vacas

Na Antiguidade, duendes eram grandes ordenhadores de vacas. Grandes no sentido de ilustres, porque eles eram tão pequenos – no sentido de tamanho – quanto hoje.

O sistema que eles utilizavam era um tanto peculiar: eles amarravam a vaca com um cipó em uma árvore. (Duendes não usam cordas, só coisas que venham direto da natureza.) Então, ficava um duende embaixo de cada teta de vaca. E eles colocavam o leite direto em seus chapeuzinhos. O bom disso é que não precisavam ficar esvaziando o chapéu – como os homens fazem com baldes hoje –, o leite que caía em seus chapéus ia direto para a chaleira de cada habitante da cidade mais próxima.

Era simples. Quando um duende precisava de leite, colocava seu chapéu sobre um copo, caneca ou chaleira. No momento em que ele tirava o chapéu de cima do recipiente, este estava cheinho de leite fresco. É que os chapéus dos duendes têm um contato entre eles.

Você pode estar se perguntando: “Ué, mas se os duendes só usam coisas que vêm direto da natureza, como eles têm copos, canecas, chaleiras e mesmo chapéus?”. Mas, quem disse que copos, canecas, chaleiras e chapéus não vêm da natureza??? Eles não vêm da natureza que você conhece, mas na Antiguidade dos duendes, eles faziam parte da natureza.

Voltando ao assunto, os chapéus dos duendes são interligados por algo incompreensível por nós, humanos. Mas isso existe, e se eu estou dizendo que existe, fica mais compreensível.

Então, se um duende entrava dentro do seu próprio chapéu, e outro duende tirava o seu próprio chapéu, e isso fosse feito por vários duendes, estes duendes ficariam empilhados, um em cima do outro. E assim, eles poderiam ordenhar uma vaca gigante.

22 maio 2007

O cirurgião-dentista

César Pinceto é cirurgião-dentista. É daqueles homens que nasceu sabendo o que queria ser, e acertou. Nunca pensou em ser astronauta, psicólogo ou piloto de Fórmula 1.

Quando pequeno, brincava de boneca com sua irmã mais velha, Úrsula. Ele ficava irritado porque nenhuma boneca tinha dentes. Só os bonecos tinham dentes. Dinossauros, tigres, leões, jacarés, cachorros. Mas César não queria ser dentista veterinário, queria ser cirurgião-dentista.

Aos 10 anos, César Pinceto ganhou um irmão mais novo, o Léo. Para sua alegria, o pequeno logo seria um fornecedor de dentes, dentes-de-leite. Assim que Léo perdeu o primeiro dente, César sugeriu colocar uma prótese. Ele roubava todos os dentinhos de leite que o irmão colocava debaixo do travesseiro para esperar a fadinha. No lugar, colocava uma escova-de-dentes ou um fio-dental.

Hoje, César Pinceto é um renomado cirurgião-dentista, mas nenhum de seus irmãos é seu paciente.

23 abril 2007

Joãozinho apresenta: A batata roxa

Joãozinho comprou uma batata roxa. Sim, era batata. E sim, era roxa.

Mas não era roxa só por fora. Era roxa por dentro também. Parecia uma beterraba, mas era um pouco mais clara. E tinha gosto de batata mesmo.

Mas não pergunte onde Joãozinho comprou a batata roxa, ele não conta pra ninguém. Um dia, simplesmente levou pra casa e deu para sua mãe. “Uma batata roxa, Joãozinho?!” – disse ela. “O que eu vou fazer com uma batata roxa?” – continuou. “Batata-frita roxa” – disse Joãozinho, sem hesitar.

Mas sua esperança durou pouco. Sua mãe mandou que ele enterrasse a batata roxa bem longe, pois ela poderia estar contaminada.

Joãozinho enterrou a batata roxa no vilarejo mais próximo e nunca mais falou sobre aquilo com a sua mãe.

Até hoje, Joãozinho sonha em comer batata-frita roxa. Mas outra batata como aquela ele nunca mais encontrou.

10 abril 2007

hahaha

Uma releitura sobre o meu blog. :D hahaha
Os olhos são meus

A flor não é mais do meu amor

Marisa falou: “Essa foi a última vez. A última gota caiu, e a última pétala não existe mais.”.

Ela ficava sempre ali na janela. Uma pequena violeta daquelas que duram anos. A tia da avó ganhou do Seu Ronaldinho, que era sensação entre as mocinhas.

Ninguém nunca entendeu como ela durou tanto tempo. E Marisa não entendia porque bem na vez dela a violeta viraria cinzas.

A questão é que Janete roubou o namorado de Marisa, e a violeta não tinha mais razão para existir. Porque a violeta deveria representar o amor da mais nova geração da família. Marisa havia feito juras de amor ao seu respectivo. Mas, agora, tudo estava acabado.

O que ninguém sabe é que junto com a terra jogada fora, ficou um restinho de raiz com um restinho de vida com um restinho de amor.

09 abril 2007

O pastel do português

O português morou desde que nasceu ao lado de uma barraquinha de pastel de chinês. Todas as manhãs, cumprimentava o chinês, desde que nasceu.

A partir dos 7 anos, sua mãe passou a permitir que ele comesse frituras. Todos os sábados e domingos, ele comia pastel, desde os 7 anos.

Aos 13 anos, o português começou a sentir inveja do chinês. Desejava mais do que comer pastéis, desejava ter sua própria barraquinha, desde os 13 anos.

Aos 18 anos, o portuga começou a comprar do chinês não só os pastéis de sábados e domingos, mas a massa de pastel, com a desculpa de que fritaria na casa de sua avozinha doente.

E ao lado da casa de sua avozinha, que de doente não tinha nada, o português abriu sua própria barraquinha. Com apenas uma mesa velha, dois banquinhos e sua avozinha como atendente, o portuga começou a fazer sucesso. Ele fritava e a avozinha vendia. Começaram a vender para os vizinhos da rua, do quarteirão, do bairro inteiro.

Aos 20 anos, o português vendia pastéis para a cidade inteira. E sua avozinha era a avozinha mais cobiçada da cidade.

Aos 22 anos, o português começou a vender pastel de bacalhau. Desde os 22 anos, só ele, a avozinha e o chinês comem o seu pastel.

15 março 2007

Laranjinha e o francês

Laranjinha foi cuspida pela boca de um francês. "Mèrde!" - disse ele ao morder a pequena sementinha sem querer.

Laranjinha ficou parada por dois dias no meio da grama do Jardim Botânico de Curitiba - por onde o francês passava quando ela foi cuspida.

Laranjinha começou a sentir calor. Era o Sol batendo forte. Laranjinha sentiu seu calor ser refrescado. Era o jardineiro.

Laranjinha sentiu enjôo. Achou que iria explodir. Suas costas estavam se abrindo. Uma raiz saía de lá.

Laranjinha brotou. Laranjinha cresceu. Laranjinha virou uma pequena arvorezinha. O jardineiro viu e tirou Laranjinha de lá. Cavou a terra ao seu redor e a colocou num pequeno saco plástico preto.

Laranjinha viu o tempo passar sem muito entender o que se passava.

Hoje, Laranjinha vê a Torre Eiffel no topo de sua cabeça.

28 fevereiro 2007

Elas não secam

Marcelo acordou todo estampado e na textura do seu lençol. Levantou. A sola do pé ficou bordô, como o tapete. Esbarrou na cabeceira e ficou com uma mancha amadeirada na altura do joelho. Abriu a porta e as pontas de seus dedos ficaram prateadas. O tapete do corredor tinha um piso diferente. Seus pés mudaram de cor. A porta do banheiro estava entreaberta. Deu de ombro na porta para que ela abrisse. Seu ombro esquerdo ficou branco. Pés azulejados. Abriu a torneira: mão direita acobreada. Água e sabonete roxo: rosto roxo também.

E assim é a complexa e colorida vida de Marcelo. O problema está nas tintas. Elas não secam.

23 fevereiro 2007

Laila. Uma mente assassina.

Laila não podia mais se segurar. Era muito peso na consciência. Precisava contar para alguém que era uma assassina. Mas como os outros reagiriam?

Depois daquela noite, tudo mudou na vida de Laila. Era uma noite estrelada, fria. Laila estava sozinha em casa assistindo “That 70´s Show” e comendo pipoca com molho barbecue.

Um barulho no piso superior da casa. Passos no assoalho. Passos descendo a escada. Coração disparado. Sangue correndo apertado nas veias. Adrenalina. Uma voz familiar. A empregada ainda não havia ido embora. Estranho.

Laila se concentrou novamente no seriado. Aumentou o volume. Tomou um gole de Coca Cola Light Lemon. Deu duas gargalhadas e um grito. “Aaaaaaaaahhhhhh” – gritou Laila. “Aaaaaahhhh! Aaaaaaahhhh!!!” – gritou novamente e com mais intensidade.

Um golpe, dois golpes, 12 golpes. Naquele momento, tudo virou arma para a garota de 12 anos que acabara de descobrir ter uma mente assassina. Caiu no chão o corpo de um semi-cadáver. Mais uma pisada e estava tudo acabado.

Laila sempre odiou aranhas.

08 janeiro 2007

Janete nasceu

Janete nasceu. Cresceu. Foi para a escola. Ensino médio. Faculdade. Pós-graduação. Mestrado. Doutorado. Nenhum trabalho.

Estudar, ela adorava. Fora isso, ficava em casa deitada olhando para o teto. Em estado meio meditativo, meio de hibernação. Ela só comia antes de ir para a aula. E depois.

Tinha tudo o que precisava ao lado da cama. Um penico. Escova e pasta de dente. Um vasinho com água limpa e outro para cuspir.

Olhando para o teto, Janete pensava nos pássaros, na vida, na vida extraterrestre. Visitava países e planetas. Tudo isso enquanto seus pais divorciados a sustentavam.

Aos 42 anos, Janete só havia ficado fora de casa durante suas aulas. Ou na mudança da casa de sua mãe para a casa própria. Casa própria para ficar deitada olhando para o teto. E isso era tudo o que ela fazia.

Na casa de Janete, não havia cozinha. Na casa de Janete, não havia sala. Na casa de Janete, não havia banheiro. Na casa de Janete, só havia quartos.

A casa de Janete tinha camas para todos os humores. O “banheiro da suíte” era todo azul, com uma cama de solteiro, e ótima para dias de stress. A “sala de jantar” era amarelo-chocante, com uma cama king-size, para dias desanimados. A “cozinha” era verde, com uma cama de viúva, onde Janete se sentia em harmonia. E assim por diante.